terça-feira, 26 de março de 2013

Zyah, o homem das cavernas que toda Bianca quer


E o amor e o papel da mulher nessa história?

Na novela ‘Salve Jorge’, da Rede Globo, Bianca (Cleo Pires) sempre foi dona de si, levando uma vida sob seu inteiro comando. Ao viajar para a Capadócia, na Turquia, conheceu literalmente um homem das carvenas: Zyah (Domingos Montagner). Relutou a reconhecer que estava balançada pelo Fred Flintstone do século 21. Cedeu. Se envolveu. Mas, não se submeteu à cultura do povo de Zyah, que mantém a mulher em condição de submissão ao homem (inclusive respaldada pelas mulheres turcas). Voltou ao Brasil, mas considerou que ser livre e independente era ter a liberdade de se permitir buscar o seu amor, mesmo que tivesse que dançar como cigana e morar na Capadócia.


A autora Glória Perez construiu a Bianca com o perfil da mulher independente, antenada, moderna e transgressora. Uma mulher que não gosta de se prender a nenhum relacionamento. Não gostava. Bom, mas a Bianca era (é, era) a Bianca. Achei que Glória iria dar uma saída honrosa para que essa personagem não reforçasse esse traço da cultura machista no inconsciente coletivo das mulheres: no fim, o amor/a paixão é o que realiza a mulher. 

Só um parêntese para colocar a Lívia - Claudia Raia - nessa história. Fria, calculista, sem coração, e chefe do tráfico de mulheres e crianças. Também se rendeu aos encantos de Théo (Rodrigo Lombardi). A paixão avassaladora desestabilizou a vilã. Arrebatada, deverá revelar alguns de seus segredos ao mocinho da trama.

Tai uma reflexão interessante, pois as novelas e a televisão têm a capacidade de reproduzir a realidade, construir novas realidades, criar e destruir mitos, ou reforçar muitos deles. Não é atoa que pessoas reais reproduzem muitos dos trejeitos, figurinos, gestos, de personagens marcantes. 

Voltando à caverna 

No Mito da Caverna, de Platão, os prisioneiros enxergam e acreditam em imagens refletidas por uma fresta por onde passa um feixe de luz e que não representam a realidade. Para conhecê-la, de fato, só saindo da caverna. Ou seja, nos libertando de influências culturais e sociais nos impostas. Nesse caso, através da telenovela.  Segundo o psiquiatra gaúcho Carlos Eduardo Carrion, a mulher da caverna “queria desesperadamente acasalar com espécimes fortes para dar continuidade aos próprios genes e segurança à própria vida”. 

Ethos, linguagem e mídia

Outra questão interessante é observar a cultura e os costumes de um povo. A Sociologia define o ethos como a síntese desses elementos, dando a esse povo sua identidade social e orientando-o. Na contemporaneidade, o amor não fica de fora. Assim como a mídia (e seus discursos através da novela), dentro da relação e interação que estabelece com as pessoas.

A nossa vida social é continuamente construida e aprimorada ao longo na nossa convivência coletiva, no real, com a cultura e os meios de comunicação. Isso é reforçado pelos teóricos da Sociologia Fenomenológica, Peter Berger e Thomas Luckmann, no trabalho “Construção social da realidade”: ela é realizada por sujeitos em constante interação e comunicação com outros e efetivada através da linguagem. 

Sobre a linguagem, Adriano Duarte Rodrigues, da Universidade Nova Lisboa, diz que é pela linguagem que a experiência humana se constitui. Por ela, normas, símbolos, mitos e imagens orientam nossas emoções. Nesse caldeirão cultural, a mídia ocupa um lugar de destaque, onde a sua cultura colabora na conformação de visões de mundo, opiniões, valores e comportamentos. 

Com isso, a TV em especial é fundamental na construção de representações da realidade. Até porque, o que passa na tela tem a ver com a vida cotidiana das pessoas.

O amor

Nesse ethos atual, o amor é um dos valores importantes na construção social da realidade, e muito influenciado pela emancipação feminina. Ela redefiniu muitos papéis sociais. Bianca seria a mulher que evoluiu. Saiu do condicionamento histórico de esperar pelo homem provedor e casar, ter filhos e uma família. Construiu uma nova situação ao entrar no mercado de trabalho: mais estudos (de nível superior), ter sua própria grana, tornam-se chefes de família, independentes economicamente, executivas bem sucedidas.

Ou seja, a mulher se relacionaria em igualdade com o homem. Mas, eis que a televisão chegou com seu poder de espelhar a sociedade, mas que tem diferenças claras entre pessoas, grupos e classes. Aristóteles já preconizava que o caráter de uma personagem constitui o seu ethos, sua diretriz de conduta. Quer dizer, Bianca e outras personagens traduzem, ou reproduzem, na ficção, o imaginário feminino. 

Se a novela tem o poder de criar novas realidades, porque uma autora como Glória Perez colocou para Bianca - e também para Lívia – a condição de prisioneiras dessa caverna? Logo essa, onde o amor e a paixão representam a ilusão de que vale a pena abrir de valores e ideias que se acredita pelo homem que mexeu forte com a alma e a sexualidade feminina. Logo ela, que tem pautado temas que ajudaram a promover algumas mudanças na sociedade.

A nós, homens, cabe o desafio de mudar também traços dessa cultura para viver relações mais avançadas e melhores com o sexo feminino, contribuindo para sua emancipação. Mas, ao mesmo tempo, saber o momento e o espaço certos para construirmos a caverna que ainda seduz a alma feminina. Não a de Platão nem a de Glória Perez. Será muito melhor

segunda-feira, 11 de março de 2013

O que faz um mito?



Num determinado momento do filme Spartacus (um escravo em Roma), quando os escravos são dominados pelo exército romano, um soldado pergunta: Quem é Spartacus? A câmera fecha em Kirk Douglas (o herói), que já se preparava para se delatar e ouve alguém dizer: Eu sou Spartacus. Quando o soldado vai em direção a ele, outro homem diz: Eu sou Spartacus. Em seguida, outros também repetem a mesma frase. Para então, todos os escravos gritarem em uma única voz: Eu sou Spartacus!

Na cobertura da morte do presidente Hugo Chávez, impressionou ouvir várias pessoas, entre homens e mulheres, dizerem em comoção que eles eram Chávez e que ele era o povo. Eu não sei se pessoas naquela multidão assistiram Spartacus. 

Também vi milhares de jovens percorrerem as ruas de Santos, muitos de skate, acompanhando o ídolo Chorão, do Charlie Brown Jr, falando do que ele representou.

Isso instigou a, talvez em vão, tentar responder a pergunta o que faz um mito? Tai uma indagação tão misteriosa quanto a que a humanidade se faz sobre a sua própria origem: viemos da grande explosão (Big Bang)? De um ser superior? Da evolução das espécies?

Mas, um pai ou uma mãe, que faz tudo para ver a felicidade dos seus rebentos, também se torna mito para seus filhos. Um professor ou uma professora que dá um toque especial na formação escolar e acadêmica de muitos estudantes, também se torna mito para muitos alunos.

Com explicar a comoção e o carinho dos venezuelanos ao um presidente que conduziu em 14 anos, mudanças importantes para vida de um povo que foi privado de coisas básicas por séculos?
 
Seguramente, a própria história da Venezuela. Segundo o jornalista Leandro Forte, uma nação rica em petróleo, mas que era distribuído apenas para 1% da população. Foi a partir de Chávez que 5 milhões pessoas saíram da pobreza absoluta; mercados subsidiados de alimentos foram criados.

Em três anos foram alfabetizadas cerca de um milhão de pessoas. Em convênio com Cuba, o povo venezuelano se beneficia com 14 mil médicos cubanos. Os programas sociais oferecem condições mais favoráveis na saúde, previdência, habitação, cultura, saneamento e educação. E o mais importante: o surgiu uma nova consciência política entre os pobres.

Spartacus, um pai/uma mãe, um professor/uma professora, mas também figuras como Gandhi, Irmã Dulce, os grandes descobridores. Eles possuem algo em comum: passaram pela vida das pessoas deixando marcas importantes em suas vidas e se toraram mitos dos seus filhos, dos seus alunos, do seu povo.

Claro que é importante construirmos uma sociedade que não precise de mitos para se desenvolver. Mas, mesmo se chegarmos lá, enquanto seres humanos tiverem suas vidas marcadas por pessoas especiais e diferenciadas, veremos muitos mitos. Parece que o que faz um mito é o que ele representa na vida das pessoas.

Ah! Um mito é sempre amado por uns e odiado por outros. Que o diga Hugo Chávez.

quarta-feira, 6 de março de 2013

O poder fascina, mas embriaga


Não há dúvidas de que ter algum tipo de poder é o que faz as coisas e a vida acontecerem. Não se trata apenas de poder econômico ou político. Pode ser o simples poder de chefiar ou coordenar um grupo de pessoas, uma família ou uma empresa. Até mesmo, o poder que dá ter uma grana que nunca se ganhou antes, ou o prestígio de uma profissão vista como nobre.

De fato, o poder fascina, encanta. Seduz. Dá uma sensação de onipotência ter a admiração, o respeito e até o medo das outras pessoas. Só porque temos algum tipo de poder. Que nos estimula a termos iniciativa, dedicação, enfrentar situações de pressão, assumir riscos, estabelecer e atingir objetivos. Há quem diga que conhecimento e poder são indissociáveis. Daí que não basta apenas ter poder. É preciso sabedoria para saber usá-lo.

O bom é poder falar de algo com experiência prática. Pude sentir os efeitos do poder quando exerci a Presidência do Sindicato dos Comerciários de Salvador por seis anos. Senti um poder absurdo durante muitas manifestações a ponto de não ter medo da presença policial, sempre muito intimidadora e, em muitos momentos, repressiva. Parece que nos transformamos em heróis e heroínas, agindo sem medo por saber que estamos fazendo algo importante.

Senti também o poder de conduzir um coletivo de pessoas, entre funcionários e diretores. Constatei que, se você age com equilíbrio e sensatez, torna-se uma referência positiva. Porém, se comete deslizes e incoerências, ninguém respeita sua liderança.

Percebo esse poder também no trabalho como jornalista no considerado o 4º poder. Como as pessoas se postam diante de alguém com um crachá de um veículo de comunicação, sempre com um olhar tipo “é o pessoal da imprensa...cuidado com meu comportamento ou com o que falarei”.

Quando as coisas vão acontecendo como você – todo poderoso / toda poderosa – direciona, é preciso ter cuidado, pois acabamos envolvidos por uma certa soberba. E ai mora o perigo. Perdemos um pouco a noção do que é essencial e do que é superficial na vida. Começamos a meter os pés pelas mãos. Vivi um pouco isso, pois reconheci, depois, que encaminhei decisões ruins, para mim e para os coletivos onde atuei. Ainda bem que acertei mais do que errei.

É bom viver os dois lados dos efeitos do poder. Torna-se uma experiência única, mas que só contará para aprimorar o exercício do poder se formos generosos com ele. É. Porque é preciso ter generosidade nessa questão. O mesmo poder que fascina e faz a vida acontecer - do jeito que você pensa e conduz -, também embriaga. E a ressaca é um turbilhão, do qual não se sai facilmente.