domingo, 23 de dezembro de 2012

Quando é bom ser enganado

Não é fácil admitir que ser enganado pode ser algo bom. O mundo não acabou no dia 21. Esse foi o primeiro momento em que eu e milhões adoramos ser enganados. A vida continuou pra gente torná-la ainda mais incrível e, com isso, manter a humanidade viva por muito mais tempo.

Aliás, se ele tivesse acabado, o melhor viria no dia seguinte, sábado 22, quando fui enganado mais uma vez. Adorei, pois vi a celebração do renascimento. Renasceu a beleza em silhueta e forma de mulher.

Fui convidado para um caruru e me vi em pleno sarau no século 21. Lá, eu e várias pessoas nos deliciamos com uma comida maravilhosa. A digestão não poderia ter sido em melhor estilo: licor. Licor de poesias belíssimas e fortes, piadas inteligentes e muita música levada na palma da mão. Tudo emoldurado pela cadência gostosa do samba de roda e pela beleza dos movimentos e da malemolência feminina, produzida pelas mulheres que entraram na roda.

Realmente, o day after ao suposto fim do mundo revelou que podemos tornar nossos dias ricos em bons momentos. Aliás, dizem que essa tal felicidade que a gente procura em coisas grandiosas, na verdade é uma soma de bons momentos que fazemos acontecer.

E o sábado 22 mostrou que o simples pode ser grandioso, se a gente souber perceber a beleza nele. Ser convidado para um aniversário e perceber que foi você quem recebeu o presente, por exemplo.

Valeu, Aldinha. Adorei ser enganado!
 

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

‘Guerreiro’ e ‘Dô’.Magias do Picolino e do Bando Olodum

Admiração. Fascínio. Leveza. Foi o que consegui encontrar no mundo das palavras para expressar o que senti ao assistir os espetáculos ‘Guerreiro’ e ‘Dô’, belíssimas realizações baianas da Cia. do Circo Picolino e do Bando de Teatro Olodum.

Guerreiro Glauber



Eu só conhecia o Picolino de vista, ao passar pela orla de Salvador, e pela história de resistência para produzir arte e cidadania. Ao homenagear o talento e a história do nosso cineasta baiano Glauber Rocha, “Guerreiro” nos brindou com a convergência das artes, em pleno momento de convergência das mídias.
 
Em muitos momentos, não sabia se prestava atenção ao vídeo, que passava cenas de filmes de Glauber; se ao palco disfarçado de picadeiro, onde performances teatrais e circenses de malabares reforçavam as cenas no vídeo; se à música regional tocada pela banda que acompanha o espetáculo ou a voz maravilhosa da cantora, que me transportou por um momento para uma ópera; se às acrobacias realizadas nas fitas, nos trapézios ou no palco.

O mais incrível foi ver adultos e crianças embevecidos com efeitos de imagem, luz e som, como uma reverência a estética que Glauber Rocha imprimia em suas obras. Toda essa magia foi pensada e criada pelo ‘guerreiro’ Anselmo Serrat.

 
Bando Olodum se orienta


Quem já conhecia os trabalhos do Bando de Teatro Olodum, ou ficou em perplexidade, sem saber o que era aquilo, ou em arrebatamento pela admiração em ver ‘Dô’ e o quanto o Bando enriqueceu a sua linguagem com o toque oriental do coreógrafo japonês Tadashi Endo. Na língua nipon, ‘Dô’ significa“movimento” e é baseada no Butô, um estilo de dança-teatro japonês.

Choque cultural? Que nada. A mistura da tranquilidade oriental com a força explosiva da baianidade do Bando só poderia resultar em algo esplendoroso. E, mais uma vez, mesclaram-se artes como o vídeo, dança e teatro para nosso deleite.

A beleza estética de ‘Dô’ moldura e dá forma ao tema tratado: a transformação da história individual e da identidade pessoal, em movimento e sinergia permanentes.

Seguramente, com ‘Dô’, o Bando de Teatro Olodum experimentou a reinvenção da sua própria linguagem, sem descaracterizá-la, mas incorporando a ela novos elementos. Ganhou o Bando. Ganharemos nós, com espetáculos ainda mais encantadores.

Segundo Tadashi Endo, Dô no ideograma japonês tem dois lados que unem peso, poder e energia, simbolizando energia pesada. O incrível foi ver toda dramaticidade expressa pelos personagens sendo suavizada pela leveza dos movimentos.
 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Curvas geniais. Traços de cidadania




Nesta quinta-feira, 06 de dezembro de 2012, o Brasil e o mundo ficaram menos geniais com a perda de Oscar Niemeyer, o arquiteto de curvas e traços delicados, ousado e inquieto. A perda é tão grande quanto esse grande brasileiro, que colocou o nome do seu país no patamar mais elevado da arquitetura mundial.

Niemeyer é homem secular; nasceu em 1907 e compôs uma trajetória parecida com os traços que deram forma à verdadeiras obras de arte.

Era gênio porque conseguiu transpor a complexidade arquitetônica em traços simples, tornando o óbvio perceptível e entendível paras pessoas simples da população.

Era gênio porque as curvas que saiam dos seus traços eram uma contestação ao retilíneo, como com quem previa que a vida não se processa em linha reta, e que o mundo se transforma nas curvas da história, especialmente pelos que mais sofrem.

 Sua simplicidade lhe dava sofisticação de um grande ser humano, para quem a “solidariedade justificava o curto passeio da vida”.

Um olhar mais profundo em suas obras deduz que as curvas delicadas, precisas e artísticas eram uma reverência que todo masculino deve ao feminino. Para ele, a mulher “é o complemento físico e espiritual do homem” e “sem ela, sem sua sedução e boa companhia, desaparecem nele os sonhos e fantasias que marcam e justificam suas vidas.”

Niemeyer era gênio porque via a vida além dos traços que se materializavam em concretos. Ao projetar Brasília, desejava uma cidade de “homens felizes, que sintam a vida em toda sua plenitude e que compreendam o valor das coisas simples e puras.”

Acima de tudo, Niemeyer foi arquiteto da solidariedade e de um mundo mais humano e melhor para as pessoas. Assim, comprou um apartamento para o amigo comunista Luis Carlos Prestes e projetou a casa do seu motorista numa favela do Rio de Janeiro.

Abraçou as ideias de Karl Marx e foi comunista até o fim de sua rica vida, sempre considerando o mundo injusto e inaceitável. Expressava isso em sua profissão. Para ele, não “não basta fazer uma cidade moderna; é preciso mudar a sociedade”

Com o Memorial da América Latina, mostrou a trajetória de um povo marcado pela luta por uma vida melhor. Para Niemeyer, “mais importante do que a Arquitetura é estar ligado ao mundo. É ter solidariedade com os mais fracos, revoltar-se contra a injustiça, indignar-se contra a miséria. O resto é o inesperado; é ser levado pela vida.”

Niemeyer deixa um legado para as futuras gerações: curvas geniais e traços de cidadania. Na terra ficam obras para a eternidade. Na eternidade, quem sabe possamos ver novos formatos de estrelas.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Fuleco, a Copa e a publicidade


Assim que foi definido por votação na internet, o nome do mascote da Copa 2014 (nosso bem brasileiro Tatu-bola), começou uma discussão polêmica sobre o nome. O argumento para Fuleco foi a combinação entre futebol e ecologia. Na junção tem lógica e coerência. Mas, faltou aos responsáveis pelo marketing e a publicidade fazerem algumas perguntas importantes. Aprendi isso durante o curso de Publicidade na universidade.

 
A definição de um nome para um produto ou marca tem que sintetizar a sua essência e sua personalidade. Afinal, é isso que orientará a comunicação e a estratégia de uma organização (privada, pública ou política). Entretanto, isso ainda não é suficiente.

 
É prudente quando se opta por um nome novo - fruto de junção de nomes existentes -, saber se não existe algo relativo a ele. Com o oráculo da modernidade Google isso ficou ainda mais fácil e rápido.

 
Também não termina ai a questão. É preciso testar o impacto que pode causar nas pessoas um produto, uma campanha ou um nome, antes de ser mostrado publicamente. Isso se faz com a pesquisa qualitativa, reunindo pessoas que não tenham envolvimento emocional com o objeto trabalhado.

 
Quem foi pesquisar o significado do nome Fuleco, soube que é o apelido do nosso querido ânus, fiofó, reto...ah, vá! (bem baixinho: é c..., mesmo). Olha por onde está começando a Copa no Brasil.

 
Uma campanha, uma marca e um produto precisam está conceitualmente corretos, na forma e no conteúdo. Os símbolos a serem usados devem estar em sintonia com o nome e o conceito.

 
A mensagem publicitária não leva em conta apenas um nome que chame atenção e uma imagem que o reforça. Ao estabelecer o conceito da campanha, há que se perguntar: Está adequado ao público? O estilo de comunicação tem a ver com quem está emitindo a mensagem? Qual possível impacto no ambiente e nas pessoas?  

 
Na comunicação publicitária, o maior erro é se apaixonar pela primeira ideia, sem confrontá-la com essas e outras perguntas. Criatividade e originalidade devem estar ancoradas em lógica e coerência.

 
Realizar um evento de grande magnitude como a Copa do Mundo exige cuidados com grandes questões estruturais e, especialmente, com detalhes simples, mas que estão revestidos de muitos simbolismos.

 
Me identifico com a tese de que a melhor comunicação é a que torna o óbvio perceptível. Se não mudar esse nome, só nos restará torcer para o Brasil ganhar a Copa e não ver uma nação inteira tomar no Fuleco.