sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

“Rolezinho”: Para quem gosta de ser diferente, mas não desigual


Nada melhor do que retomar o Axé com Dendê dando um ‘rolé’ pela polêmica que esse novo fenômeno está produzindo. Tirando a presunção do Fantástico, exibido no dia 19, de ter encontrado os criadores do “rolezinho”: Juan, de 16 anos, Yasmim, de 15 e Renatinho, 15, o fato é que estamos diante de uma nova forma de ação - e reação - de jovens das periferias brasileiras.

Segundo a reportagem, os três ficaram famosos na internet. Juan tem 56 mil seguidores, depois que começou a postar vídeos na web. Yasmim possuiu 84 mil seguidores e o mc Renatinho contabiliza 16 mil fãs. Assim, resolveram marcar encontros com os fãs nos shoppings, muito para tirar fotos e trocar ideias. Mas, o primeiro “rolezinho” aconteceu no dia 7 de dezembro, no shopping de Itaquera, em São Paulo, envolveu 6 mil pessoas e gerou grande confusão.

Querer identificar a origem de algo nos dias atuais ficou mais difícil, pois vivenciamos, segundo os filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari, a era do Rizoma, onde fenômenos surgem e se espalham, sem uma origem precisa. É como algumas plantas, onde brotos se ramificam em qualquer ponto. 

Para Deleuze e Guattari, o conhecimento está se elaborando simultaneamente, a partir de todos os pontos e sob a influência de diferentes observações e conceitualizações, onde não há raízes e nem linhas de subordinação hierárquica. O Rizoma é um mapa, mas sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, e suas linhas de fuga.

QUESTÃO DE CLASSE

Na verdade, o “rolezinho” pegou de surpresa a todos e ficou maior do que um simples encontro de pessoas no shopping. Logo veio a reação dos shoppings, com ações na Justiça para proibir a prática. 

Outra questão interessante é ver que o Brasil presencia uma nova classe média, fruto da melhoria da renda e do emprego nos últimos 12 anos. Mais pessoas passaram a ter acesso a coisas que antes eram restritas a poucos. Mas, muitas ainda continuam sendo isoladas em guetos impostos pela sociedade. Trata-se de algo em evolução, gerando novos comportamentos sociais.

Podemos refletir o “rolezinho” tentando entender alguns símbolos da nossa sociedade, como os shoppings, que pularam de 280 em 2000 para 495 em 2014. São considerados templos de consumo, lazer e encontros. Foram construídos para as elites consumirem com conforto, comodidade e segurança. É pra gente diferente, status estimulado pela propaganda.

Hoje, já vemos bairros inteiros construídos com shoppings, centro empresarial, clube, escola. As elites vão se fechando para se proteger dos (des)iguais”. Mas, esqueceram que os jovens da periferia também querem – e têm direito – frequentar nobres espaços, antes exclusivos das classes média e alta.

O “rolezinho” é a reação de quem existe, mas não é visto pela sociedade e quer ir além dos limites impostos por pessoas que se acham mais cidadãs.

O consumo estimulado pela propaganda revela também outras facetas desses conflitos na sociedade. Primeiro, a felicidade e a realização pessoal pelo consumo, propaladas pela publicidade, não chegam para todos, gerando frustrações e reações. Não obtendo produtos de marca que dão status a quem está na base da pirâmide social, a reação é confrontar, pelo menos indo aos shoppings para “tirar onda” com “mauricinhos” e “patricinhas”.   

O NOVO VELHO

Esse novo fenômeno é mais uma manifestação dos conflitos de classes em nossa sociedade, como observaram, no século 19, os filósofos alemães Karl Marx e Friedrich Engels: “A história de toda a sociedade que existiu até agora é a história da luta de classes”. Seus protagonistas são, de um lado, quem tem os meios de produção da riqueza e, de outro, os que vivem do trabalho (as vezes, sem trabalho).

De acordo com Marx e Engels, os conflitos da sociedade de consumo (capitalista) assumem multiplicidades de formas e expressões, mas situam-se sempre em duas bases: De um lado, as elites, que procuram defender, manter e fortalecer a ordem social. Do outro, a classe subordinada, em permanente pressão de baixo para cima, tentando sempre melhorar suas condições de vida. 

Para Marx, transformações sociais ocorrem na medida em que as contradições que se manifestam na sociedade, produzindo determinadas formas de consciência, e os homens agem para modificar a realidade.


Assim, o Renatinho cantou ao final da reportagem do Fantástico: “Não somos bandidos ruins nem menor infrator. Somos apenas a praga que o sistema criou”. O “rolezinho” é uma reação de pessoas que também gostam de ser diferentes, mas não aceitam ser tratadas como desiguais.

Cláudio Mota - Jornalista, publicitário e responsável pelo Axé com Dendê