Nada melhor do que retomar
o Axé com Dendê dando um ‘rolé’ pela polêmica que esse novo fenômeno está
produzindo. Tirando a presunção do Fantástico, exibido no dia 19, de ter
encontrado os criadores do “rolezinho”: Juan, de 16 anos, Yasmim, de 15 e
Renatinho, 15, o fato é que estamos diante de uma nova forma de ação - e reação
- de jovens das periferias brasileiras.
Segundo a reportagem, os
três ficaram famosos na internet. Juan tem 56 mil seguidores, depois que
começou a postar vídeos na web. Yasmim possuiu 84 mil seguidores e o mc Renatinho
contabiliza 16 mil fãs. Assim, resolveram marcar encontros com os fãs nos
shoppings, muito para tirar fotos e trocar ideias. Mas, o primeiro “rolezinho”
aconteceu no dia 7 de dezembro, no shopping de Itaquera, em São Paulo, envolveu
6 mil pessoas e gerou grande confusão.
Querer identificar a
origem de algo nos dias atuais ficou mais difícil, pois vivenciamos, segundo os
filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari, a era do Rizoma, onde fenômenos
surgem e se espalham, sem uma origem precisa. É como algumas plantas, onde brotos
se ramificam em qualquer ponto.
Para Deleuze e Guattari, o conhecimento está se
elaborando simultaneamente, a partir de todos os pontos e sob a influência de
diferentes observações e conceitualizações, onde não há raízes e nem linhas de
subordinação hierárquica. O Rizoma é um mapa, mas sempre desmontável,
conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, e suas
linhas de fuga.
QUESTÃO DE CLASSE
Na verdade, o
“rolezinho” pegou de surpresa a todos e ficou maior do que um simples encontro de
pessoas no shopping. Logo veio a reação dos shoppings, com ações na Justiça
para proibir a prática.
Outra questão
interessante é ver que o Brasil presencia uma nova classe média, fruto da
melhoria da renda e do emprego nos últimos 12 anos. Mais pessoas passaram a ter
acesso a coisas que antes eram restritas a poucos. Mas, muitas ainda continuam
sendo isoladas em guetos impostos pela sociedade. Trata-se de algo em evolução,
gerando novos comportamentos sociais.
Podemos refletir o
“rolezinho” tentando entender alguns símbolos da nossa sociedade, como os shoppings,
que pularam de 280 em 2000 para 495 em 2014. São considerados templos de
consumo, lazer e encontros. Foram construídos para as elites consumirem com
conforto, comodidade e segurança. É pra gente diferente, status estimulado pela
propaganda.
Hoje, já vemos bairros
inteiros construídos com shoppings, centro empresarial, clube, escola. As
elites vão se fechando para se proteger dos (des)iguais”. Mas, esqueceram que
os jovens da periferia também querem – e têm direito – frequentar nobres espaços,
antes exclusivos das classes média e alta.
O “rolezinho” é a reação
de quem existe, mas não é visto pela sociedade e quer ir além dos limites
impostos por pessoas que se acham mais cidadãs.
O consumo estimulado
pela propaganda revela também outras facetas desses conflitos na sociedade.
Primeiro, a felicidade e a realização pessoal pelo consumo, propaladas pela
publicidade, não chegam para todos, gerando frustrações e reações. Não obtendo
produtos de marca que dão status a quem está na base da pirâmide social, a
reação é confrontar, pelo menos indo aos shoppings para “tirar onda” com “mauricinhos”
e “patricinhas”.
O NOVO VELHO
Esse novo fenômeno é
mais uma manifestação dos conflitos de classes em nossa sociedade, como
observaram, no século 19, os filósofos alemães Karl Marx e Friedrich Engels: “A
história de toda a sociedade que existiu até agora é a história da luta de
classes”. Seus protagonistas são, de um lado, quem tem os meios de produção da
riqueza e, de outro, os que vivem do trabalho (as vezes, sem trabalho).
De acordo com Marx e
Engels, os conflitos da sociedade de consumo (capitalista) assumem
multiplicidades de formas e expressões, mas situam-se sempre em duas bases: De
um lado, as elites, que procuram defender, manter e fortalecer a ordem social. Do
outro, a classe subordinada, em permanente pressão de baixo para cima, tentando
sempre melhorar suas condições de vida.
Para Marx, transformações
sociais ocorrem na medida em que as contradições que se manifestam na
sociedade, produzindo determinadas formas de consciência, e os homens agem para
modificar a realidade.
Assim, o Renatinho
cantou ao final da reportagem do Fantástico: “Não somos bandidos ruins nem
menor infrator. Somos apenas a praga que o sistema criou”. O “rolezinho” é uma
reação de pessoas que também gostam de ser diferentes, mas não aceitam ser
tratadas como desiguais.
Cláudio Mota - Jornalista, publicitário e responsável pelo Axé com Dendê
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