terça-feira, 4 de outubro de 2011

Mulher, cultura e liberdade


Já havia postado duas opiniões sobre o tema. Como está para ser votado a qualquer momento na Assembleia Legislativa, gostaria de colocar mais um pouquinho de dendê no assunto. O projeto da deputada estadual Luiza Maia (PT) já conseguiu algo importante: pautar a discussão sobre a discriminação da mulher na cultura popular.

Muitas polêmicas entorno do objetivo central do PL - evitar que o Estado financie músicas que agridem a dignidade feminina – ajudam a fortalecer a democracia com opiniões distintas. Grande parte das ponderações contra o projeto fala da censura que ele imporia à liberdade de expressão.

Liberdade absoluta?

É justamente ai que quero meter bedelho e colher. Em nossa sociedade, o que comanda o conjunto de liberdades tem sido a lógica do livre mercado, cujos defensores querem que o Estado não regule nada. As relações econômicas entre empresas é que dão o tom à economia.

O economista Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel, criticou o FMI por produzir crenças de que o livre mercado amplia a liberdade individual, tende a um equilíbrio natural graças à "mão invisível" e que os interesses da sociedade são atingidos quando as pessoas podem perseguir seus próprios interesses.

Mitos que cairam por terra com a crise dos países ricos e pais do livre mercado, com suas desigualdades sociais. O Estado agiu e tomou medidas para proteger a sociedade. Inclusive, empresas e bancos também foram beneficiados com essa ajuda. É, a liberdade não é absoluta.

Liberdade de expressão

Outro aspecto que podemos tratar é sobre a liberdade de expressão, assegurada na Constituição Federal. Ninguém duvida que a manifestação livre de opiniões e ideias é essencial para o fortalecimento da democracia em qualquer sociedade.

Na Grécia Antiga, Aristóteles afirmava que todo trabalho devia ser executado pelos escravos para que os cidadãos pudessem se reunir na Ágora (praça pública) e deliberar sobre os assuntos. O direito à voz era de todos, que expressavam seus pensamentos. Todos, “pero no mucho”. Mulheres, escravos, prisioneiros e estrangeiros não participavam. A liberdade de alguns custava a escravidão e a exclusão da maioria.

A liberdade de expressão está relacionada especialmente com a liberdade de imprensa, onde o o Estado garante a cidadãos e organizações publicarem qualquer pensamento ou ideia. É realmente assim? Se fosse, por quê há regulações que colocam determinados programas ou filmes a partir de determinados horários? Por que são proibidos filmes pornôs nas televisões abertas? Os criadores desse gênero reivindicam que suas obras também são cultura e tem público. É, a liberdade não é absoluta.

Cultura e sociedade

Outro elemento nessa discussão é a relação cultura-sociedade. Para o filósofo alemão Karl Marx, o ser humano não constrói sua história livremente, pois situações anteriores condicionam o modo como acontece essa construção. Mas, ele tem capacidade de reagir e transformá-la.

Pesquisando o tema, encontrei o artigo “Sociedades complexas: indivíduo, cultura e individualismo”, de Ricardo Bruno Cunha Campos, publicado na Revista Eletrônica de Ciências Sociais.

Segundo ele, as sociedades ocidentais, estruturadas sob o capitalismo, se desenvolvem num contexto multicultural, e que a lógica do capital coloca as manifestações culturais em uma rede de produção de massa voltada para o consumo (ao bel prazer do livre mercado).

Liberdade e responsabilidade  

Na lógica do livre mercado e da liberdade de expressão, compositores e cantores dessas músicas continuam livres para cantar nas rádios e em festas privadas, a grande maioria. Por sua vez, o Estado pode - deve! - usar a liberdade de investir o dinheiro público para promover manifestações culturais que valorizem a mulher.

Se é verdade que a cultura é reflexo da sociedade que a produz, também é verdade que ela ajuda a construir tipos de sociedades. Será que as mulheres que disseram não se importar com as letras, mas apenas com o som das músicas, gostariam de ouvir, num local público, um homem "sedutor" dizer “vem cá, me dá a patinha...me dá sua cachorrinha”?

O projeto chamado de “antibaixaria”, longe de querer censurar liberdades, propõe a construção de uma sociedade melhor e culturalmente mais rica. E isso é responsabilidade de todos, especialmente do Estado.

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