sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Ela tá podendo. É feminina, jovem, branca e digital

A Era Lula gestou um novo fenômeno social que ainda está se desenvolvendo, mas já provoca reflexões importantes, pela força que tem e seu atual perfil. É a nova classe média brasileira. 

Os números refletem os resultados das políticas sociais, do crescimento econômico com inclusão social, da geração de emprego e da valorização do salário mínimo. Em seis anos (2003 a 2009), a classe média passou de 40% para 52% da população e caiu de 40% para 24% o número de pessoas que vivia abaixo da linha da pobreza. 

Embora muitas pesquisas sejam feitas no âmbito do consumo e da economia, elas também refletem mudanças de comportamento político e social. É só projetá-las para esses campos.

É um novo perfil social e econômico num país em que esse segmento ganhou maior poder de compra e ampliou o acesso à tecnologia e à faculdade. Isso exigirá, de quem quiser falar para ela, novas abordagens, novos discursos e, especialmente, novas atitudes e novas ideias. Então, vamos ver qual é a dessa nova classe social.

A nova identidade social da chamada classe C foi revelada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE antes do Senso 2010 e sistematizada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República.

Os resultados mostram que ela é maioria na população (53,8%, em dezembro de 2008). 51% pertencem ao sexo feminino, 52% são de cor branca e concentra a maior quantidade de jovens entre 20 e 24 anos, sendo predominantemente adulta (63% têm mais de 25 anos). Sua renda mensal familiar está entre R$ 1 mil e R$ 4 mil.  

Segundo os dados, a nova classe média é majoritariamente urbana (89%) e, em sua maioria, está em três regiões brasileiras: Sul (61%), Sudeste (59%) e Centro-Oeste (56%). Ela reside em cidades de pequeno porte (45%), com menos de 100 mil habitantes, seguido de regiões metropolitanas (32%) e de cidades de médio porte (23%).

Três quartos dela moram em casa própria, sendo 99% dos domicílios de alvenaria ou madeira aparelhada; com forro ou cobertura de laje, telhado ou madeira aparelhada.

Na educação, a pesquisa mostra que 99% das crianças e adolescentes (7 a 14 anos) frequentam a escola, mesma proporção da classe alta. Entretanto, nessa classe, 95% dos jovens de 15 a 17 anos e 54% dos adultos de 18 a 24 anos frequentam escola, enquanto que, na classe emergente, os percentuais caem para 87% e 28%, respectivamente.

Conforme a SAE, seis em cada dez pessoas da classe C estão empregadas. A maioria dessas tem registro formal (42% com carteira assinada e 11% como funcionário público); 19% trabalham sem registro; outros19% trabalham por conta própria; 3% são empregadores; e 6% não são remunerados. O perfil de formalização da classe C (53%) está acima da média nacional (47%), mas, na classe alta, o índice de formalização é maior, 59%. 

Conectada  

Outro estudo, da MKT Digital (empresa de consultoria), revela que a classe C investe, participa e é emergente também no campo digital.

A agência americana Razorfish realizou pesquisa na América Latina e constatou que este perfil de consumidor não tem mais a televisão como principal forma de entretenimento. Dos 28 milhões de lares que possuem computador, 63% são residências desta nova classe média. Em 2010, eles já eram 42% dos usuários de internet.

Antes tímido até para realizar uma troca, o comprador dá mais valor ao tempo, a feedbacks e relacionamento. Essa nova classe pesquisa, expõe, desenvolve argumentos, exige gratificação instantânea pelo que investe e quer, mais que retorno, soluções rápidas e efetivas.

Ganha destaque nesse cenário o papel da mulher, que chefia cerca de 35% das famílias brasileiras. Ela pesquisa na internet, influenciando na rua e em casa. Tem mais de 30 anos, debate sobre produtos, serviços, filhos e também sobre política.

Segundo a MKT, a classe C está mudando o formato social do país. De triângulo, passa a um losango, de base encolhida e o meio expandido.  

(Re)mexendo conceitos 

Desde a consolidação do capitalismo, pós revolução industrial, a classe média sempre suscitou discussões. De acordo com o filósofo e criador do socialismo científico, o alemão Karl Marx, um segmento social é composto por todos aqueles que ocupam a mesma função e posição no setor produtivo da economia.

Ele identificou duas classes principais desse sistema: A burguesia (donos de fábricas, bancos e terras) e o proletariado (dono apenas da força de trabalho para vendê-la ao empresário). Quem estava no meio, seria a classe média (autônomos, médicos, advogados, trabalhadores públicos, etc). 

É um fenômeno da industrialização e do capitalismo moderno, cujo poder aquisitivo permite padrões razoáveis de vida e de consumo. Mas, no século 21, esse conceito pode estar sofrendo variações, que precisam ser melhor entendidas.

O relatório Perspectivas do Desenvolvimento Mundial 2012: A Coesão Social em um Mundo em Mutação, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) revela que as populações de economias com rápido crescimento estão se tornando mais exigentes e têm expectativas cada vez mais elevadas em relação ao seu nível de vida.

"A classe média dos países emergentes deseja que os frutos do crescimento econômico dos últimos anos sejam compartilhados", diz o estudo. 

Do total de 2 bilhões de pessoas no mundo que vivem com US$ 10 a US$ 100 por dia - classificadas como pertencendo à classe média -, quase metade está nos países em desenvolvimento e emergentes. Esse número deve triplicar nos próximos 20 anos, atingindo 3 bilhões de pessoas.

A OCDE alerta que não se deve subestimar a capacidade de mobilização da classe média dessas economias para exigir políticas mais transparentes e serviços públicos de melhor qualidade, especialmente nas áreas de saúde, educação e proteção social.

O estudo mostra ainda que, nos anos 2000, 83 países em desenvolvimento atingiram taxas de crescimento per capita equivalentes ao dobro das registradas nas economias ricas da OCDE. Em pelo menos 50 países em desenvolvimento ou emergentes, as taxas médias de crescimento per capita foram superiores a 3,5% por ano nos anos 2000. 

Isso é bom, mas desencadeia novas tensões, segundo o documento, como aumento das desigualdades de renda, transformações estruturais e expectativas crescentes dos cidadãos em relação ao seu nível de vida e acesso às oportunidades. 

Contradições e valores 

Essa chacoalhada no conceito tradicional é reforçada pelo novo perfil da classe no Brasil. O fenômeno se desenvolve apresentando contradições.

Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicado na revista Época em 2008, mostrou que a família que ainda mora num bairro popular é a mesma que possui TV tela plana, TV por assinatura, DVD, acesso a internet, máquina de lavar e geladeira e fogão mais modernos. 

Segundo o estudo, essa nova classe média em transição continua sem hábito de leitura e é bastante prática. Para ela, valores universais e regras gerais são sempre duvidosos, salvo se relacionados com a religião.

Isso a leva a não ser convencida facilmente pelos meios de comunicação e a usar do cinismo nos processos eleitorais, onde o voto é nada mais que uma obrigação ou um pit stop antes da curtição do feriado. A decisão é marcada pelo pragmatismo e pela visão e imediatista da política. 

Em meio às contradições, o fato é que essa ascensão, segundo a FGV, produz uma redefinição nos padrões de comportamento da sociedade. Quem não entender isso corre sério risco de não ser entendido.
 

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