terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Pinheirinho e a ocupação de pobre X ocupação de rico

A desocupação da comunidade do Pinheirinho, em São Jose dos Campos (SP), feita de forma violenta pela polícia produziu a resistência dos moradores, o apoio a eles de vários segmentos sociais e merece algumas reflexões.

Especialmente sobre os problemas históricos do país em relação à ocupação do espaço urbano (por pessoas que ocuparam o Pinheirinho, gente da classe média e grandes empreendimentos).

Segundo informações da imprensa, seis mil pessoas moram no local há oito anos e esperavam a legalização da comunidade e sua transformação em bairro (tinha igreja, comércio e espaços para lazer e reuniões). O processo de legalização já estava bastante adiantado.

O dono da terra

A desocupação aconteceu por conta de uma ordem judicial de reintegração e posse à massa falida da Selecta, de propriedade de alguém chamado Naji Nahas. Quem é ele? Um megaespeculador imobiliário e financeiro. Esse libanês chegou ao Brasil nos anos de 1970 e construiu empresas, fazendas, banco, seguradora e outros negócios.

Esse “coitadinho” ficou conhecido após ser acusado de quebrar a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, em 1989. Ele tinha um modo especial de ganhar dinheiro fácil. Segundo a imprensa, o cara tomava dinheiro emprestado de bancos e aplicava na bolsa. Fazia egócios com ele mesmo (se não confiar na família, vai confiar em quem?) por meio de laranjas.

Ele só foi preso em 2008, pela Polícia Federal na famosa operação Satiagraha, ação contra o desvio de verbas públicas, corrupção e a lavagem de dinheiro. Ora! Alguém saberia dizer como esse “coitadinho” consegiu essas terras?

O déficit habitacional

Esse é um problema histórico e estrutural no país comandado pelas elites, que concentraram riqueza e terras, produzindo desigualdade, exclusão e ocupações sociais.

Segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad) 2008, o déficit habitacional no Brasil está em torno de 5,5 milhões de moradias. Desse total, 4,629 milhões (83,5%) estão localizados nas áreas urbanas. Essa é uma dívida histórica das elites e de seus governos (1500 até hoje) com os escravos livres, mas sem qualquer condição de vida (e moradia), e seus descendentes.

Com o programa Minha Casa, Minha Vida, o governo federal tenta mudar essa realidade. Pretende construir ou reformar três milhões de moradias até 2014 para famílias com renda mensal de até dez salários mínimos.

É um desafio e tanto, pois a Pnad também revela que 2,2 milhões de famílias moram em favelas e áreas em situação de risco. 77,7% são famílias que recebem até três salários mínimos. Engraçado é que o Pinheirinho está na Região Sudeste, que concentra 36,9% do total do déficit habitacional do País. O Nordeste vem em segundo, com 35,1%.

A ocupação de pobre

O problema da ocupação por pessoas que não tem onde morar, nem dinheiro para não precisar ocupar algum lugar é complexo e estrutural. Segundo as Nações Unidas, as favelas são áreas de acesso insuficiente à água potável, ao saneamento básico e a outras infraestruturas; de má qualidade estrutural de habitação; com superlotação; de estruturas residenciais inseguras; e de baixo estado socioeconômico de seus residentes.

Mas, por que pessoas saem do campo para ganhar a vida nas cidades em locais assim? Seguramente porque as terras já estão “ocupadas” pelos latifundiários e porque a reforma agrária ainda não cumpriu bem o seu papel para fixar as pessoas em suas cidades de orígem.

Uma segunda resposta estaria na falta, historicamente, de políticas públicas de planejamento urbano das cidades, com infraestrutura e serviços públicos básicos (saúde, segurança, educação, etc) que garantam às pessoas morarem com dignidade.

Falta planejamento também quando essas comunidades são constituidas e consolidadas. Pela sobrevivência, as pessoas têm que se virar como pode, geralmente na informalidade, sem qualquer proteção social ou orientação dos poderes públicos.

No Censo 2010 do IBGE foram identificadas 6.329 favelas no país, localizadas em 323 dos 5.565 municípios brasileiros. As cidades com maior proporção de habitantes morando em favelas foram Belém (53,9%), Salvador (26,1%), São Luís (24,5%) e Recife (23,2%). As duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, têm 11% e 22% da população morando em favelas, respectivamente.

A ocupação de rico

O outro lado dessa moeda é a chamada ocupação de colarinho branco, geralmente feita por pessoas de alta posição social ou fortes grupos econômicos.

Esse absurdo é praticado, na maioria das vezes, sob “vistas grossas” dos poderes públicos, que deixam grandes empreendimentos comerciais e turísticos e a especulação imobiliária construirem, indevidamente, imóveis em espaços públicos, sem planejamento e avaliação de impacto ambiental.

Um exemplo concreto em Salvador é a área do Parque de Pituaçu. O Grupo Ambientalista Papamel denunciou, no portal Luis Nassif em 2009, graves problemas de ocupação, poluição, desmatamento no local. Isso na administração do então governador Paulo Souto, que beneficiou proprietários de terras e invasões de colarinho branco.

De acordo com o Papamel, o governador Paulo Souto doou a área para a UCSAL (universidade privada) e tentou retirar a área doada a UNEB (universidade pública), que vem construindo uma ótima relação com a comunidade local.

Outro problema revelado é que as famílias de baixa renda vivem o tormento de terem que sair do parque a qualquer momento, ao invés de receberem também as terras onde estão as suas residências, como o Estado faz com pessoas de classe abastada.

Os dois pesos, as duas medidas

Nessa contradição entre ricos e pobres, outra questão que se coloca é o tratamento dado a cada segmento que ocupa uma área.

Nos casos de colarinho branco, o problema geralmente é tratado no campo da Justiça, arrastando-se por muitos anos e sem qualquer resultado efetivo ou desocupação (sem ação policial) por parte de quem invadiu o espaço público.

Já no Pinheirinho, vimos o governo Geraldo Alckmin comandar a PM com 2 mil policiais da Tropa de Choque, 220 viaturas, 100 cavalos e 40 cães. Inicialmente, a polícia justificou a ação com o argumento de apreender drogas, armamentos e possíveis foragidos da justiça. Os moradores ainda dormiam quando seus barracos começaram a ser desocupados.

A ação surpreendeu também o governo federal, que apostava numa saída negociada. Segundo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a Justiça Federal havia suspendido a decisão de reintegrar a posse e tinha um acordo para adiar o ato por 15 dias.

Sem negociação e sensibilidade para resolver um problema complexo e delicado, a irracionalidade deixou milhares de famílias abandonadas.

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